O premiado professor de matemática que inspira alunos com música

Nascido em Bogotá há 43 anos, formado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, por sua sigla em inglês) e com uma ampla carreira como professor universitário nos Estados Unidos, Ardila conseguiu usar a emoção da música para otimizar o aprendizado de uma disciplina execrada por muitos: a matemática.

Por conta disso, recebeu diversos prêmios, como o que lhe foi concedido em 2020 pela Associação Americana de Matemática (MAA, por sua sigla em inglês) “por inspirar alunos dentro e fora das salas de aula da San Francisco State University”.

Mas, além da vocação como professor, ele também canalizou sua paixão musical e fundou um coletivo de DJs na cidade de Oakland, onde a música latina brilha com luz quase natural.

Você chegou à matemática por meio de uma combinação de vários fatores, incluindo sua família e, especialmente, suas irmãs. Por que você se interessou pelos números?

Federico Ardila – Sou filho de pais que seguiram duas direções muito diferentes. Meu pai é engenheiro e gostava muito de matemática e minha mãe era socióloga e sua grande paixão era ajudar os outros.

Portanto, essas duas mensagens estiveram sempre presentes desde muito cedo: por um lado, o gosto pela ciência e, por outro, uma certa responsabilidade social.

Não acredito na ideia de que se nasce matemático, mas é verdade que desde pequeno fui instigado a gostar de números.

E quando eu tinha uns 9 anos descobri o programa das Olimpíadas de Matemática da Colômbia. E me inscrevi porque minha irmã e meu primo eram muito bons com os números.

Gosto muito de falar sobre isso porque me parece importante: a minha irmã também era muito boa em matemática, mas a nossa sociedade manda as mulheres para o outro lado, certo?

E sua irmã, nós a perdemos na ciência?

Ardila – Ela é música hoje. E vamos dizer que para ela não é uma perda. Quem perdeu foi a ciência.

Um dos seus grandes focos hoje é usar a matemática como uma ferramenta de inclusão social. Como isso funciona?

Ardila – A ciência em geral, e a matemática em particular, têm um poder muito importante dentro de nossa sociedade.

Em outras palavras, matemática e ciências foram usadas muitas vezes por governos para causar danos. Os militares dependem muito da matemática. Muitos dos modelos de capitalismo são baseados na matemática, a matemática tem muito poder na sociedade.

Por isso, é fundamental que todos os setores de uma sociedade tenham acesso a essa ferramenta, pois dependendo de quem a possui e de quem a utiliza, ela pode ser uma ferramenta de opressão ou de igualdade.

E nós, cientistas, não gostamos de dizer isso, mas a ciência também tem sido uma grande ferramenta para construir a desigualdade. Mas não porque seja ruim, mas porque as pessoas que tiveram acesso a usaram para isso.

Pois é por isso que para mim é fundamental, numa sociedade que procura ser mais igualitária, que esta ferramenta seja reinventada por diferentes comunidades. Que se possa decidir, em meio à ideia de construir uma sociedade mais igualitária, que papel a ciência pode desempenhar.

E como você a aplica em uma sala de aula?

Ardila – Todo esse pensamento me levou a me perguntar: como posso contribuir? Eu trabalho em uma universidade pública em San Francisco. É uma universidade de acesso muito aberto e muitos dos meus alunos vêm de comunidades que não tiveram acesso a ciências e matemática.

Em outras palavras, muitos deles são imigrantes cujos pais não se formaram na escola. Quero construir espaços onde os alunos se sintam confortáveis.

Mas não é tão fácil, porque é um pouco o que eu estava contando sobre a minha irmã quando ela entrou num curso de matemática. Ela não se sentia confortável por causa do ambiente masculino e competitivo.

O que tento fazer é construir um ambiente dentro da minha sala de aula onde qualquer pessoa que chegue possa se sentir confortável, cômoda e possa encontrar na matemática uma forma de desenvolver suas habilidades e ter alguma influência.

Como eu faço? Eu sou bastante experimental. Então, por exemplo, para deixar os alunos confortáveis, eu coloco uma música. Eu também sou DJ. E eu penso muito na música como um elemento que pode ter um efeito forte. Às vezes, quando eu chego na sala de aula, eu digo: “pessoal, escolham uma música”.

E todos os dias um aluno tem a oportunidade de colocar uma música que significa muito para ele.

Isso começou como uma experiência divertida, mas o que me impressionou é que os jovens tocam músicas que têm muito significado e contam histórias muito pessoais.

Quanto mais faço essas coisas, mais percebo que os jovens também querem aprender matemática, mas acima de tudo querem ser tratados como pessoas.

Lembro-me do caso de uma menina que queria nos mostrar a música que cantou no funeral da mãe porque queria agradecer a ela por ter aberto a porta da educação.

Esse tipo de coisa é o que chamo de inclusão social em sala de aula.

📷 O premiado professor de matemática que inspira alunos com música | terra

Existe uma expressão que você usa muito quando fala em educação, quase como um lema: “Ninguém tira o que você dançou”.

Ardila – Porque sinto que a educação sempre funcionou como forma de classificar as pessoas. Isso acontece muito nas aulas de matemática, onde muitas vezes o que fazem é classificar quem são os mocinhos e quem são os malvados.

E isso me parece muito prejudicial. Se você der a alguém uma prova de uma hora, não poderá saber nessa hora o que essa pessoa pode fazer.

Falo muito sobre isso com meus alunos, que é importante que eles saiam bem em uma prova, mas me parece que isso é secundário e que é muito mais importante que eles saibam e sintam que estão aprendendo, construindo e se divertindo com a matemática.

E quando eles sentem isso, dentro de seus corações, ninguém tira isso deles. As pessoas ficam surpresas quando falo com o coração em uma aula de matemática, mas sinto que a educação faz isso. Quando você aprende algo novo e entende algo novo, isso pode preencher você muito como pessoa. Seu cérebro entendeu algo que não entendia e ninguém vai tirar isso de você.

E um professor pode dar uma nota ruim, mas isso não significa nada se você sabe que aprendeu alguma coisa. Em outras palavras, ninguém tira o que você dançou.

Ele também já disse muitas vezes que seu convite é criar espaços com a matemática.

Isso vem muito da relação com a música. Quando eu faço festas como DJ ou eventos artísticos, quando você entra em um espaço, se sente de uma certa maneira, E isso influencia muito como você interage com o espaço.

Acho que isso também acontece no processo de ensino. Como reinventamos os espaços e como fazemos as pessoas se relacionarem com esses espaços de maneira diferente?

Não vejo a sala de aula apenas como sala de aula, mas é um espaço que a gente está construindo, que tem um ambiente e que a ideia é que as pessoas se sintam bem naquele ambiente e que haja um certo fluxo de conhecimento e energia.

Que a sala de aula seja um espaço de boas-vindas, que você chega e fala “aqui é bom e eu quero aprender”

Você também já disse muitas vezes que seu atrativo é criar espaços com a matemática.

Ardila – Isso vem muito da relação com a música. Quando eu faço festas como DJ ou eventos artísticos, quando você entra em um espaço, se sente de uma certa maneira, E isso influencia muito como você interage com o espaço.

Acho que isso também acontece no processo de ensino. Como reinventamos os espaços e como fazemos as pessoas se relacionarem com esses espaços de maneira diferente?

Não vejo a sala de aula apenas como sala de aula, mas é um espaço que a gente está construindo, que tem um ambiente e que a ideia é que as pessoas se sintam bem naquele ambiente e que haja um certo fluxo de conhecimento e energia.

Que a sala de aula seja um espaço de boas-vindas, que você chega e fala “aqui é bom e eu quero aprender”.

Essa combinação de emoções e ciência na aprendizagem tem muito a ver com a vinda para os Estados Unidos para estudar no MIT, certo?

Ardila – Sim, um amigo me incentivou e então me candidatei ao MIT e entrei, também consegui resolver a questão financeira porque minha família não tinha como me mandar para estudar no exterior.

A questão é que quando cheguei, embora percebesse que ainda era bom em matemática, não me sentia confortável com o ambiente.

Foi como um choque cultural, porque para mim na Colômbia a matemática era algo mais divertida ou lúdica. Uma coisa mais comunitária com os amigos e pais. Digamos que cheguei a um lugar onde muitas vezes era o único latino e culturalmente parecia muito estrangeiro.

Comecei a sentir talvez o que minha irmã sentiu quando foi para as Olimpíadas, aquele isolamento. E foi uma coisa complicada, como se você realmente gostasse cientificamente de onde está, mas não se sinta muito confortável.

E acho que também foi isso que me influenciou a fazer um grande esforço para construir espaços onde realmente se dê atenção a isso. Porque na matemática tendemos a ser tão intelectuais que às vezes esquecemos que somos pessoas e temos sentimentos, e que às vezes ficamos desconfortáveis ​​e não percebemos.

Talvez, por causa disso, de me sentir muito desconfortável naquele lugar, comecei a perceber que essa ciência tem uma parte emocional muito forte. E se você não está bem emocionalmente, é difícil para você ter um bom desempenho acadêmico.

Eu sinto que esse é um obstáculo muito grande que a educação tem, que se você está em uma sociedade muito desigual e as pessoas pobres têm situações muito complicadas em seu dia a dia, é muito difícil para elas terem espaço para aprender matemática.

E não é porque eles não têm capacidade, mas há tantas coisas emocionais que não permitem que você pense.

Sua área de estudo é ‘combinatronics’, o que é estudado nela?

Ardila – O que eu faço é chamado de combinatória e é uma área sobre a qual as pessoas não sabem muito porque é um ramo mais ou menos novo da matemática.

Mas digamos que todo mundo faça combinatória no dia a dia, de uma certa maneira.

Por que? Porque combinatória é o estudo de possibilidades. O que isso que significa? Eu dou um exemplo. Se você quiser fazer um torneio de futebol, deve decidir em que ordem as partidas serão disputadas. E quem desenhou um calendário deve considerar quais são as diferentes possibilidades e escolher qual é a melhor. Ou o que pode ser o mais rápido. Coisas assim.

Sudoku é outro exemplo de combinatória. Isso é pura combinação.

Mas a razão pela qual esse ramo se tornou muito importante é porque agora a computação cuida de muitas coisas e a combinatória é como a matemática da computação.

Agora tudo é com algoritmos e programas, então a combinatória se tornou um ramo muito central da matemática.

É semelhante a quando eles disseram que o cálculo era como o ramo da matemática que poderia fazer aviões. Combinatória é o ramo da matemática que permite que um computador funcione.

E muitas vezes essas combinações têm a ver com a combinação de álgebra e geometria, por exemplo.

Existe algum projeto específico onde você o está colocando em prática?

Ardila – Algo muito interessante aconteceu comigo. Embora muitos trabalhos levem anos para serem aplicados na matemática, tive a sorte de alguns projetos terem sido executados.

Por exemplo, tenho um projeto de filogenética.

A ideia é que queremos conhecer a árvore evolutiva das espécies. Para dar um exemplo, vamos começar com cinco espécies: o macaco, o homem, a vaca, o cachorro e o cavalo.

Queremos saber de onde eles começaram e como evoluíram para se tornar a espécie atual.

E certamente imaginamos que o cavalo e a vaca são mais parecidos, então com certeza eles estão mais próximos naquela árvore da evolução. E com certeza os macacos e nós estamos mais próximos e o cachorro vai para o outro lado.

Então o que fazemos é tentar entender o que foi a evolução. É fazer a pergunta, como sabemos? Bem, só podemos medir o que vemos hoje e não temos como voltar a história para trás, para ver o que foi a árvore dessa evolução.

Bem, esse é um problema combinatório, porque existem muitas possibilidades. Em outras palavras, quais foram todas as histórias possíveis que poderiam vir a construir a realidade de hoje e qual de todas essas histórias é a mais provável?

Então, começa-se a procurar linhas, mesmo aquelas que não são evidentes, e a analisar, com matemática, todas as árvores genéticas possíveis.

E com os resultados, podemos fornecer algoritmos que informam se você tem, não sei, dez espécies de peixes. O que é muito mais difícil de saber evolutivamente qual foi a ordem em que eles se separaram. Então faça medições com esses peixe e use métodos combinatórios para prever qual era a árvore evolucionária mais provável.

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Fonte: BBC, G1.

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